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O Limite Ético da Inteligência Artificial na Odontologia

Autor: Alex Furukawa – Cirurgião-Dentista (CRO-BA 8141)

Resumo

A inteligência artificial (IA) está remodelando a odontologia, oferecendo maior precisão diagnóstica e agilidade em processos clínicos. Contudo, seu uso levanta preocupações éticas relacionadas à autonomia profissional, privacidade de dados, vieses algorítmicos e responsabilidade civil. Este artigo apresenta uma análise crítica dos limites éticos da IA na odontologia, correlacionando legislação brasileira, recomendações internacionais e literatura científica recente.

Palavras-chave: Inteligência Artificial; Ética; Odontologia Digital; LGPD; Bioética.

Introdução

A aplicação de IA na odontologia vem crescendo de forma exponencial, com destaque para algoritmos de deep learning que interpretam exames radiográficos e tomografias com desempenho comparável a especialistas humanos (LEE et al., 2020). Esse avanço contribui para diagnósticos mais precoces e tratamentos personalizados, aumentando a previsibilidade clínica e a satisfação dos pacientes (SUN et al., 2021).

No entanto, a incorporação de tais tecnologias exige reflexão ética, pois não apenas impacta a tomada de decisão clínica, mas também altera a relação profissional-paciente. Segundo Morley et al. (2020), a ética da IA em saúde deve abordar quatro pilares: justiça, beneficência, não maleficência e autonomia, garantindo que os algoritmos sejam transparentes, justos e auditáveis.

Revisão de Literatura

Pesquisas recentes destacam o potencial da IA em detectar lesões cariosas iniciais com sensibilidade superior ao exame visual-tátil (SCHWENDICKE et al., 2020). Outros estudos apontam sua aplicabilidade no planejamento ortodôntico, sugerindo movimentações dentárias e prevendo estabilidade oclusal (KUMAR et al., 2022).

Por outro lado, autores alertam para riscos importantes:

  • Vieses algorítmicos: algoritmos treinados com base em populações específicas podem apresentar desempenho inferior em grupos minoritários, impactando equidade no cuidado (OBERMAYER et al., 2021).

  • Explicabilidade (Explainable AI): muitas soluções são caixas-pretas, dificultando que o profissional entenda como o sistema chegou a determinada conclusão (GILPIN et al., 2018).

  • Dependência excessiva: há risco de que dentistas confiem cegamente nos resultados, reduzindo seu raciocínio clínico crítico (ESTEVA et al., 2019).

Legislação e Normas Éticas

O ordenamento jurídico brasileiro fornece diretrizes claras:

  • Lei nº 5.081/1966: delimita que diagnóstico e prescrição são atos privativos do cirurgião-dentista.

  • Código de Ética Odontológica (Resolução CFO nº 118/2012): art. 7º, IX, impede delegação de atos privativos a terceiros não habilitados.

  • LGPD (Lei nº 13.709/2018): obriga que dados pessoais sensíveis (imagens, prontuários, biometria) tenham tratamento seguro, mediante consentimento expresso.

  • Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014): estabelece princípios de proteção à privacidade e responsabilização em caso de danos causados por uso inadequado de dados.

No plano internacional, o Regulamento Europeu de Inteligência Artificial (AI Act), aprovado em 2024, classifica sistemas de IA para saúde como “alto risco”, exigindo testes de conformidade, documentação técnica e supervisão humana obrigatória (EU, 2024).

Discussão

O limite ético da IA na odontologia pode ser analisado sob três perspectivas principais:

1. Responsabilidade Civil e Profissional

Mesmo que a decisão seja auxiliada por IA, a responsabilidade final é do cirurgião-dentista. Eventuais falhas de diagnóstico oriundas do software não isentam o profissional de responder civil e eticamente por danos ao paciente (CFO, 2012).
 

2. Privacidade e Consentimento

Conforme a LGPD, o paciente deve ser informado de forma clara sobre o uso de seus dados para treinamento ou inferência de modelos de IA, incluindo finalidades, riscos e possibilidade de revogação do consentimento.
 

3. Transparência e Explicabilidade

Modelos de machine learning precisam ser auditáveis. A literatura recomenda a adoção de técnicas de XAI (Explainable Artificial Intelligence), permitindo ao dentista compreender a lógica da decisão e ao paciente exercer sua autonomia informada (GILPIN et al., 2018).

Além disso, é essencial que o profissional mantenha espírito crítico. A IA deve servir como apoio para o raciocínio clínico e não como substituto do mesmo, sob risco de comprometer a relação de confiança com o paciente.

Conclusão

A inteligência artificial na odontologia é uma ferramenta transformadora, mas exige cautela. A ética profissional demanda que ela seja usada como suporte e não como substituta do julgamento clínico. A adoção de IA deve estar alinhada à legislação brasileira, às boas práticas de proteção de dados e aos princípios bioéticos.

O futuro aponta para uma odontologia cada vez mais digital, onde profissionais que dominarem o uso responsável da IA terão vantagem competitiva, garantindo mais segurança jurídica e confiança dos pacientes.

Referências

BRASIL. Lei nº 5.081, de 24 de agosto de 1966. Regula o exercício da Odontologia. Diário Oficial da União, Brasília, 1966.

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília, 2018.

CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA. Resolução CFO nº 118, de 11 de maio de 2012. Aprova o Código de Ética Odontológica. Diário Oficial da União, Brasília, 2012.

ESTEVA, A. et al. A guide to deep learning in healthcare. Nature Medicine, v. 25, n. 1, p. 24–29, 2019.

EUROPEAN UNION. Artificial Intelligence Act. Brussels: EU, 2024.

GILPIN, L. et al. Explaining Explanations: An Overview of Interpretability of Machine Learning. IEEE Data Engineering Bulletin, v. 41, p. 80-89, 2018.

KUMAR, A. et al. Artificial Intelligence in Dentistry: A Review. Journal of Dental Research and Review, v. 14, p. 87-95, 2022.

LEE, J.H. et al. Deep Learning in Dental Radiology: A Narrative Review. Korean Journal of Radiology, v. 21, n. 7, p. 849–860, 2020.

MORLEY, J. et al. The ethics of AI in health care: A mapping review. Social Science & Medicine, v. 260, p. 113172, 2020.

OBERMAYER, M. et al. The Hidden Risks of AI Bias in Medicine. Journal of Medical Ethics, v. 47, p. 615-620, 2021.

SCHWENDICKE, F. et al. Artificial intelligence in dentistry: Chances and challenges. Journal of Dental Research, v. 99, n. 7, p. 769–774, 2020.

SUN, W. et al. Artificial intelligence in dentistry: Current applications and future perspectives. Frontiers in Dental Medicine, v. 2, p. 25-33, 2021.

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©2025 por Dr. Alex Furukawa.

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